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Paracatu

A História de Paracatu nas descrições dos viajantes do século XIX

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    Em 1808 após Dom João VI chegar ao Brasil, dentre várias ações tomadas a fim de se desenvolver a colônia, libera os portos do Brasil para as nações amigas, cabe lembrar que ate a presente data, somente os Portugueses poderiam adentrar colônia adentro.

Seis dias depois de desembarcar na Bahia, em 28 de janeiro de 1808, D. João VI assinou um decreto abrindo os portos do Brasil “a todas as nações amigas”. O decreto foi uma sugestão de José da Silva Lisboa, visconde de Cairu, discípulo baiano das ideias de Adam Smith, que “adaptara” o liberalismo econômico aos moldes de uma sociedade escravista […] Apesar da sugestão de Cairu, já ficara decidido, três meses antes, durante uma convenção anglo-portuguesa, realizada em outubro de 1807, que, caso os portos de Portugal fossem fechados aos britânicos, os portugueses lhe facultariam algum outro porto na costa brasileira- possivelmente em Santa Catarina. (BUENO, 2010, p.149)

A abertura dos portos atrai inúmeros viajantes, naturalistas, cientistas e aventureiros que vinham curiosos na ideia de conhecer e explorar as terras de além mar retratado por outros europeus como místico. A região de Paracatu, já elevada a vila aquela altura também se faz rotas desses viajantes.
Analisaremos dois destes viajantes sendo eles, Émanuel Phol, Auguste de Saint-Hilaire e Manuel Aires de Casal que passaram por Paracatu no século XIX e após suas viagens, descreveram o que viram por suas andanças.
Iniciemos nossas reflexões centradas em Phol que exercia como ofício medicina sendo também mineralogista e botânico. Sua passagem pelo Brasil deu-se entre os anos de 1817 a 1821, acompanhando Dona Leopoldina, filha do Imperador da Áustria, Francisco II, e toda sua comitiva científica, na ocasião de seu casamento com o príncipe Dom Pedro I.
No dia 25 de Novembro de 1817, Phol, sobe o alto da Serra de Santa Isabel e de lá tem sua primeira impressão da Vila de Paracatu do Príncipe.

Do alto da Serra de Santa Isabel, que depois subimos, avistamos finalmente, a distância de meia légua, a Vila de Paracatu do Príncipe, construída sobre uma colina, na planície que ora defrontamos. O caminho era indicado pelo Córrego Rico, riacho raso outrora aurífero que banha a cidade, onde pouco depois chegávamos. (PHOL, 1976, p.100)

A primeira impressão do naturalista sob a vista da Serra de Santa Isabel observa como fora construída a cidade também como identifica o tão afamado córrego que outrora fora o motivo do surgimento do Arraial de São Luiz e Santa Anna, “o Córrego Rico”.
De acordo com sua escrita, ele informa que na Vila de Paracatu do Príncipe, adoece e se vê obrigado a permanecer no local por nove dias, onde aproveita para trocar animais e reabastecer seus mantimentos.
Pohl (1976) faz várias observações sobre o solo e o que a população cultiva, fazendo parte da plantação milho, mandioca, feijão, café,cana de açúcar, banana, laranja, limões e trigo sendo este raro. Descreve fazer parte da fauna onça pintada, gato do mato, gambá, ouriço-cacheiro, tatu-catinga, o tatu-verdadeiro.
Sobre a arquitetura da Vila de Paracatu, descreve.

A Vila de Paracatu do Príncipe dista 200 léguas do Rio de Janeiro. Pertence ás cidades de tamanho médio do Reino e conta cerca de 700 casas, em duas ruas largas, calçadas, uma ao lado da outra. As casas, ainda que construídas de madeira e barro, são cobertas de telhas e, com exceção de oito sobrados, são geralmente térreas. Como regra geral, cada casa tem uma horta, onde o proprietário planta os seus legumes, alface, couve cebola, alho, pepino, cará, etc. Não falta banana, a fruta predileta do brasileiro. Nas extremidades da cidade mora a maioria dos negros livres, em cabanas, cujo o aspecto denuncia a grande indigência dos donos. A cidade tem várias igrejas, a maior parte mal conservada. Em uma delas, defronte à cidade, a Igreja de Nossa Senhora da Abadia, observei janelas de lâminas de mica, rocha que aflora em Traíras, Goiás. Entre as construções mais distintas, está a Intendência ou Casa do Governo, o tribunal junto com a cadeia, diante do qual há um símbolo da justiça punitiva… (Ibidem, 1976, p.101-102)

Algumas das casas térreas mencionadas por Pohl, ainda são facilmente identificadas contemporaneamente no bairro do Santana em Paracatu. Dos oito sobrados mencionados, um deles ainda se mantém de pé, e se localiza também no bairro do Santana e foi residência de João de Melo Franco. 1 Os negros descritos pelo viajante que viviam nas extremidades deixaram descendência que ao longo do tempo povoaram os lugares dando origem a bairros como Paracatuzinho, Arraial d’Angola entre outros de Paracatu.
Os prédios mencionados pelo viajante a igreja de Nossa Senhora da Abadia e a Casa de Governo, que seria possivelmente a Câmara de Vereadores da Vila de Paracatu não mais existem, porém, no ano de 1910, Olímpio Gonzaga fotografa a Câmara de Paracatu, nos dando uma ideia de como seria a construção da Casa de Governo.

Pode-se, portanto, verificar a relação da foto de Gonzaga, posterior ao relato de Pohl, mas que nos trazem alguns detalhes possivelmente vistos pelo viajante no ano de 1817. E observamos na parte inferior do prédio as janelas possuindo grades, sendo, portanto celas para aprisionar pessoas, assim como descreve Pohl. Este prédio não mais existe, assim como tantos outros que faziam parte da arquitetura colonial da cidade.
Outro momento observado pelo Viajante foi a respeito do clero e seus habitantes na primeira metade do século XIX.

O clero é numeroso. Consta exclusivamente de nativos da cidade. Os sacerdotes possuem muitos bens de raiz e se dedicam a atividades econômicas. Nos últimos anos diminuiu o numero de habitantes da cidade. São, na maioria, negros livres e mulatos, aqui chamados pardos. Vivem em grande parte, da criação de gado e do comércio a varejo, pois para a prática de ofícios, são de natureza demasiado indolente. O traje ordinário dos homens consiste em um manto, que é usado sobre um casaquinho de chita floreada e é tão apreciado que não o tiram mesmo durante as visitas. Nos domingos e dias santos saem à rua em traje francês antigo. As mulheres são pouco vistas; em casa usam trajes leves, andando mesmo semidespidas. Na igreja aparecem igualmente de manto, ou por cima deste, com o chamado “pauvre”, guarnecido de veludo, e um pano em volta da cabeça, sobre o qual põem um chapéu de homem. Este último não é usado pelas negras livres, que andam com uma saia branca de algodão e um grande xale do mesmo tecido, que lhes cai sobre os ombros e do pescoço até a barriga da perna em curioso drapejamento e de certo modo recorda o traje das matronas da Roma antiga. (Ibidem, 1979, p.102)

Analisa-se, portanto alguns detalhes importantes a fim de se entender a Vila de Paracatu. O primeiro deles foi à grande quantidade do clero e que aquela altura se fazia exclusivamente de habitantes locais, negros livres e pardos, comprovando a mistura étnica que se deu no Arraial de São Luiz e Santa Anna em decorrência da corrida do ouro iniciada em 1744. O segundo, o envolvimento do clero com atividades comerciais, algo que era bastante comum em Paracatu desde os tempos do padre Antonio Mendes Santiago, possuidor de datas minerais, fazendas e grande quantidade de escravos no inicio do Arraial. Pohl também nos informa de como eram os trajes naquele tempo, tanto dos homens quanto das mulheres, nos trazendo a atenção para alguns detalhes, os homens saiam aos domingos e dias santos vestidos em traje francês, e as mulheres em tais ocasiões, utilizavam acessório masculino, o chapéu.

Como não poderia passar despercebido das observações de Phol, sua atenção voltou-se também para as práticas de seu ofício na medicina e observando como a mesma era praticada na Vila de Paracatu do Príncipe. Suas impressões não são positivas e descreve: “Quanto à assistência médica, os habitantes desta cidade são dignos de dó. Não possuem médicos, nem farmácia.” (Ibidem, 1976, p.102). Possivelmente, devido à decadência econômica vivida, a medicina na Vila ia de mal a pior. Na falta de uma medicina digna, a população recorre à medicina popular, que nem sempre poderia ajudar, como vemos em palavras de Pohl, “Os remédios domésticos usuais são tomados em tal quantidade, que só podem apressar a morte” (Ibidem, 1976, p.102).
Já quase em final de sua estadia na Vila do Paracatu do Príncipe, possivelmente data próxima a dez de Dezembro de 1817, assiste a uma cerimônia de batizado, e relata com detalhes o evento.

Tive a oportunidade de assistir a uma festa de batizado. O pai da criança veio buscar-me em traje de gala, espada de aço com faixa de seda rubro-anil à cinta, solenemente, com o resto do seu séquito de convidados. Encontramos já posta a mesa, no qual me deram lugar de honra. Total ausência de facas e garfos. Cada convidado se servia do prato de sua preferência. Foram erguidos brindes à criança, ao anfitrião e a cada um dos convivas. Em meia hora tinha terminado o banquete. Só então as mulheres compareceram à mesa. (Ibidem, 1976, p.102)

O batizado certamente seria um grande evento naquele tempo em decorrência a forte influencia católica local. Um fator que chama nossa atenção é a exclusão das mulheres de participarem junto aos homens da mesa servida, notadamente a referência para a chegada das mesmas, demonstram que se serviam das sobras da sociedade masculina presente no local. Isto se torna um indício que chama nossa atenção em relação ao comportamento local que demonstra que mesmo na data festiva o papel feminino era relegado ao afastamento dos homens.
Em relação à distração da Vila relatada que, “As diversões sociais são os jogos de cartas e a música, especialmente o toque da viola” (Ibidem, 1976, p.102). Em meio a estas observações realizadas pelo viajante, no dia 10 de Dezembro, Pohl, parte em direção a Goiás, “e depois de despedir-me grata e cordialmente do honrado Capitão-Mor, parti no dia 10 de Dezembro” (Ibidem, 1976, p.105), e deixa registrada alguns anos após sua viagem o relato de sua viagem, contribuindo assim para o estudo e compreensão de um fragmento do século XIX.

No ano de 1817 é lançado pela impressa Régia a obra Corografia Brasílica, do Padre Manuel Aires de Casal. Apesar de não ser um viajante assim como Pohl, o padre Aires de Casal escreve sobre alguns aspectos de várias regiões do Brasil e dentre elas relata sobre a Vila do Paracatu do Príncipe.
Em suas primeiras palavras utiliza de palavras ate certo ponto ofensivas para tratar a vila, “Paracatú do Príncipe, Villa medíocre” (Ibidem, 1945, p.389), e seguindo o forte adjetivo usado termina sua descrição da Vila.

Bem assentada em terreno levantado, plano, e vistozo com ruas direitas, e calçadas, uma Igreja Matriz dedicada a Santo Antônio da Manga, três Hermidas de N. Senhora com as invocações d’Abbadia, Amparo, e Rozario, outra de Santa Anna, e duas boas fontes. Tem aula régia de Latim. As cazas sam térreas, e feitas de madeira. Fica coiza de quatrocentas braças arredada da Ribeira denominada Corgo Rico [sic] (Ibidem, 1945, p.389)

A princípio observamos que o padre se atenta as igrejas da Vila, onde das cinco citadas por ele somente duas, Santo Antônio e Rosário, se mantém em estado original. A descrição nos fornece condições de compreender como era a paisagem local e acrescenta a localização do Córrego Rico. Abaixo o panorama com vista a Paracatu.

Vista panorâmica Paracatu a partir do Bairro Alto do Córrego. Fonte: https://paracatumemoria.files.wordpress.com

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